Encarnados voltam a Turim onde há 21 anos, diz-se, «alguém
ajudou a velha senhora a atravessar a rua»
A imagem impressiona. Silvino deitado numa maca, a sair do
relvado do Delle Alpi levado por um grupo de homens da Croce Rossa. A cara do
guardião do Benfica está em sangue. E o grito de dor, mesmo que não chegue pelo
som da TV, «ouve-se» na expressão do guarda-redes. Vialli tinha sido o único
italiano a dar-lhe atenção, depois de ter estado minutos estendido, já com 1-0
no marcador, e rodeado de colegas. Estão lá Schwarz, Paulo Madeira, Hélder,
Veloso, Mozer e Paneira. Paulo Sousa só se atreve a dar uma espreitadela. Neno
aquece na lateral e acaba por entrar.
O Benfica como um todo não vai recuperar do lance do
primeiro golo em Turim e acaba eliminado por 3-0 após 2-1 na Luz. A Juventus
caminha até à glória e levanta a Taça UEFA 1992/93 mais à frente. Silvino deixa
a baliza por um mês por causa da jogada. Hoje que já a deixou em definitivo, é
adjunto no Chelsea, num trajeto feliz, com mais de dez anos, ao lado de
Mourinho. Mas, certamente, que o Juventus-Benfica da Liga Europa, nesta
quinta-feira, mesmo à distância de 21 anos daquele outro, lhe faz levar a mão à
cara ainda. E para quem lá esteve, a dor de Silvino ainda se ouve, como eco de
uma das grandes injustiças cometidas àquela equipa de Toni.
Silvino na maca, com a cara cheia de sangue
«O ambiente em Lisboa foi impressionante. Lembro-me que foi
muito difícil jogarmos lá e perdemos 2-1. Felizmente, emendámos em Turim e
ganhámos-lhes 3-0. Marquei nesse jogo […] e ainda me lembro dessa vitória com
grande orgulho.»
Dino Baggio foi o vilão de serviço. Décadas depois daquele
3-0 de Turim, ainda se especula sobre conspirações que envolveram a partida, a
pender para a Vecchia Signora e com o árbitro em foco: o dinamarquês Peter
Mikkelsen, ao serviço do comité de arbitragem da FIFA por estes dias. Para quem
jogava no Benfica da época, Dino Baggio e o juiz têm de estar no mesmo
parágrafo, para uma sentença conjunta.
O orgulho de que o antigo médio falou à UEFA nesta semana
pelo triunfo em 1993 encalha, para os encarnados, no 1-0. Silvino relatou ao
Sport Europa e Benfica, livro do Maisfutebol: «O Moeller marcou o canto, eu saí
para socar e o italiano saltou para não me deixar ver a bola. Partiu-me o nariz
com o cotovelo. Tive de sair logo.» Mikkelsen ignorou o choque e assinalou o
golo do alemão Kohler. «No final, o árbitro foi pedir desculpas a mim e ao
senhor Gaspar Ramos», recordou Silvino.
O médico do Benfica, Bernardo Vasconcelos tenta estancar o
sangue a Silvino
Os acontecimentos do minuto 2 de Turim foram determinantes
para o desfecho daqueles quartos de final, argumenta em 2014 o adjunto de Toni
em 1993, Jesualdo Ferreira. «O Benfica foi eliminado naquela altura, naquela
jogada. A equipa não conseguiu reagir», disse o professor à MF Total.
A declaração de Jesualdo Ferreira vai de encontro a uma de
Carlos Mozer, recolhida no livro já citado. «O Dino Baggio entrou com o
cotovelo e estuporou-lhe o rosto todo. O Silvino jorrava sangue do nariz e da
boca, não sabíamos se ele estava bem ou não. Ficámos muito abalados.»
Enquanto o Benfica se impressionava com o sofrimento do
guarda-redes, a Juventus ganhava o alento necessário para sair dos dias negros
em que vivia até essa segunda mão, com o treinador debaixo de fogo cerrado da
crítica. Se não vencesse saía, escreviam os jornais da altura, com o argumento
da má classificação na Serie A [terminou em quarto nesse ano].
«Lembro-me que o Giovanni Trapattoni estava numa posição
muito má, sob pressão enorme. Aquele lance aos dois minutos não atirou só o
nosso amigo Silvino para fora do jogo. A Juventus tinha uma grande necessidade
de ganhar e marcou-nos um golo logo a abrir», contou-nos Jesualdo Ferreira.
Neno prepara-se para substituir Silvino; Jesualdo Ferreira
era adjunto de Toni no Benfica
Enquanto Sergey Yuran tentava, na frente, escapar ao
massacrante jogo de Jurgen Kohler, o meio-campo encarnado tinha de lidar e
estancar o jogo ofensivo dos transalpinos. «Jogámos com um duplo pivot, com o
Hélder mais subido ao lado do Paulo Sousa porque eles tinham dois homens na
frente que eram temíveis.»
No ataque, Roberto Baggio e Vialli, com Ravanelli de
reserva, no banco. «O Vialli era fantástico, aliás, na Sampdoria também fez
dupla com outro rapaz que jogava pouco, que era o Mancini», sublinhou o
professor. «Era complicado jogar contra uma equipa italiana naquela altura,
para além disso, sofremos um golo a abrir e outro em cima do intervalo.» Dino
Baggio, para engrandecer a «vilanice» marcou o 2-0 após novo canto.
Os onzes de Juventus e Benfica, em março de 1993, em Turim