Onde
estão os críticos de Jesus?
Na ressaca dos três troféus perdidos no final da temporada
passada, muitos não hesitaram em pedir a demissão de Jorge Jesus. Os argumentos
eram vários, fosse pela arrogância demonstrada, pela pouca capacidade de gerir
o esforço dos jogadores, pela parca aposta em futebolistas portugueses ou até
pelo alegado sportinguismo.
Mas havia a outra face da moeda. A capacidade de Jesus em
potenciar jogadores, em adaptar de forma absolutamente bem sucedida atletas a
determinadas posições, e a “nota artística” que introduzia em grande parte das
partidas, o seu cunho pessoal a um Benfica, que para muitos, jogava finalmente…
à Benfica.
E mais, que treinador estaria à altura para o substituir?
Que português disponível, com estofo e que garantisse um melhor serviço que JJ
poderia orientar os encarnados? E que estrangeiro teria conhecimento necessário
sobre as águias e o futebol português para vingar de imediato?
Quando algo vai mal num clube, nem sempre a solução é a
drástica mudança de treinador. Quando uma equipa perde três competições nos
últimos jogos é porque disputou as três frentes até ao fim. Existe um mérito
por detrás do fracasso, mesmo que isso se tenha verificado várias vezes durante
três anos.
Há quanto tempo o emblema da Luz não chegava a uma final
europeia, ou só mesmo a uma meia-final? Com Jesus, o mínimo foi sempre os
quartos-de-final, incluindo na Liga dos Campeões, em 2011/12. Há quanto tempo o
Benfica não perdia apenas um jogo no campeonato? Há quanto tempo os encarnados
não mantinham uma consistência exibicional? Quando é que antes se tinha
assistido a um encaixe financeiro tão volumoso na história das águias?
JJ conseguiu marcos históricos, e nos primeiros três anos,
conquistou mais títulos que a formação lisboeta nos treze anteriores. Razões
mais do que suficientes para continuar? Acreditei que sim, que Luís Filipe
Vieira também.
Afinal, mais do que uma mudança de treinador, urgia
sobretudo alterar a filosofia de jogo, tornando o até então extremamente
atrativo, ofensivo e vertical futebol do SLB, num modelo mais calculista,
sereno e pragmático.
Os resultados estão à vista. O campeonato já está garantido
matematicamente. Até há data, faltando disputar apenas duas jornadas, os
encarnados têm 56 golos marcados. O pior registo do Benfica de Jesus neste
aspeto foram os 61 apontados em 2010/11. Se mantiver a média (dois por jogo),
chegará aos 60. Muito longe dos registos de 2009/10 (78) e 2012/13 (77) ou até
de 2011/12 (66). De certa forma, prova o pragmatismo de 2013/14, que trava no
1-0 ou 2-0 para depois apenas gerir.
Também no número de golos sofridos é visível os encarnados
estão a arriscar menos. Apenas 15 tentos consentidos até à 28ª jornada, e a
menos que um imprevisto os faça sofrer mais cinco nos dois encontros que
restam, este será o Benfica de Jesus com o melhor registo defensivo. O recorde
é de 20, em 2009/10 e 2012/13.
Mas não foi só pela versatilidade que JJ silenciou os
críticos. A cada época, uma nova adversidade: Na temporada de estreia, não
havia um lateral-esquerdo de raiz que desse garantias. Em 2010/11, não houve
ninguém que substituísse de um momento para o outro a capacidade todo-o-terreno
de Ramires ou a magia de Di María. E em janeiro, partiu David Luiz, uma das
referências. Em 2011/12, nem Emerson nem Capdevila renderam eficientemente
Fábio Coentrão e a profundidade que este dava ao corredor esquerdo, muitas
vezes o mais desequilibrador dos encarnados, mesmo partindo a tantos metros da
baliza adversária. E quando em 2012/13, mesmo em cima do fecho do mercado, Javi
García e Witsel foram transferidos e deixaram o plantel com escassez de médios?
E mesmo este ano, quando Matic, considerado por muitos como o elemento-chave da
equipa, foi vendido no mercado de inverno?
Com improviso e muito labor, o Benfica de Jesus já atuou em
4x4x2, 4x1x3x2, 4x2x3x1 e 4x3x3. Com pontas-de-lança móveis ou posicionais, com
laterais ofensivos ou apenas consistentes defensivamente, com um ‘10’ puro ou
com um segundo avançado e com extremos a procurarem verticalizar ou a
explorarem diagonais, a qualidade do jogo foi sempre uma constante.
Antes de adaptações bem sucedidas ou de trabalho intensivo,
Fábio Coentrão era apenas um extremo que tardava em afirmar-se e que passava
por sucessivos empréstimos, Matic um trinco bom de bola mas fraco no
posicionamento e Enzo Pérez um ala sem espaço no onze. Hoje, são futebolistas
de topo nas suas posições.
O antigo técnico de clubes como os Vitórias, Belenenses e
Braga, para além do campeonato conquistado esta época, ainda conseguiu um
triunfo bastante pessoal, apesar da máxima descrição. No início da temporada,
quando as coisas pareciam não caminhar no rumo certo, a sua autoridade foi
posta em causa, quando Cardozo, depois do incidente no Jamor em maio de 2013,
foi reintegrado no plantel. Se no começo ainda marcou vários golos, foi quando
o paraguaio se lesionou e praticamente não mais voltou como titular que os
encarnados encavalitarem rumo ao título. Foi o ano com pior registo do Tacuara,
com JJ ao leme. Apenas sete golos marcados na Liga, contra os 26, 12, 20 e 17
do antecedente. E mesmo em termos de jogos, até há data Cardozo soma apenas
catorze, dos quais somente cinco enquanto titular. Também aqui, o pior registo
do sul-americano.
Das pequenas vitórias pessoais aos títulos conquistados, com
passagem pelos recordes batidos e adaptações bem sucedidas, os críticos não
ficaram com outro remédio que não seja renderem-se às evidências. E a época
ainda não acabou. Depois do que aconteceu há um ano, é de duvidar que o Benfica
seja negligente no Jamor e deixe escapar a dobradinha. E mesmo na Liga Europa,
o discurso humilde perante a força da Juventus deixa transparecer que a
eliminação será vista com normalidade. Tudo o que vier por acréscimo, será
bem-vindo.
E se em julho/agosto poucos acreditavam numa temporada
assim, agora até se fala insistentemente em início de um novo ciclo no futebol
português, contrariando a hegemonia do FC Porto no pós-25 de abril. É caso para
perguntar: Onde estão os críticos de Jorge Jesus?