domingo, 24 de novembro de 2013

Polémica: Castigo de Jesus foi acordado entre o Benfica e a Liga


Polémica: Castigo de Jesus foi acordado entre o Benfica e a Liga

O Benfica está de parabéns em relação à forma como conduziu, juridicamente, o "caso Jesus" (em Guimarães) mas tem de agradecer à Liga a disponibilidade que revelou em tirar o treinador do Benfica das garras de um castigo tendencialmente mais duro, nunca inferior a três meses. A opinião pública não entende estes benefícios ao infractor e a integridade do futebol não ganha nada com as sistémicas branduras disciplinares.

Chegaram-me muitas reacções aos comentários que fiz na SIC Notícias, sobre o castigo federativo aplicado a Jorge Jesus, aplicado mediante um acordo entre o treinador dos encarnados e a Comissão de Instrução e Inquéritos da Liga (CII). Conhecia o acórdão do CD da FPF e estava informado sobre as bases em que assentava o acordo conjunto de sanção a aplicar sob a forma de processo especial abreviado que a CII e o treinador do Benfica haviam realizado.

Trata-se de uma decisão polémica, porque o mês de suspensão aplicado pelo CD da FPF, que resulta da homologação do acordo subscrito pela CII e por Jorge Jesus, não tem correspondência com as imagens vistas e revistas, através da televisão, dos acontecimentos em Guimarães em que o treinador do Benfica se assumiu como principal protagonista. Como é isso possível então?

No decurso da instrução, Jorge Jesus apresentou requerimento nos termos previstos no artigo 252 do Regulamento Disciplinar, que lhe permitia acordar na sanção aplicável aos factos indiciados no processo. Perante este requerimento (base legal), a CII considerou estarem reunidos todos os requisitos para a aplicação da sanção prevista no art. 136 (lesão da honra e reputação), cuja suspensão se acha entre o mínimo de um mês e o máximo de um ano. E porquê? Porque Jorge Jesus acedeu em concordar que, mesmo de forma indevida, tentou ajudar o adepto em tronco nu (que todos vimos nas imagens) a regressar às bancadas. Os inquiridos em sede de instrução confessaram uma certa indignação ao 'tratamento desigualitário" que estava a ser dado àquele adepto e que a conduta de Jorge Jesus havia sido motivada por essa indignação, face ao excesso de força utilizado pelas forças de segurança.

Por que razão foi aplicado o art. 136 ("Lesão da honra e da reputação") e não o 131 ("Agressões")? Porque o art. 131 refere que à agressão deve estar subjacente um acto voluntário. A conclusão foi no sentido de não se lograr a convicção de que houve vontade de Jorge Jesus em agredir. Não houve "ânimo de agredir"; ao invés - pode ler-se no acordo - "aquilo a que o arguido dirigia a sua vontade não era a agressão de outra pessoa, mas antes a 'libertação' de alguém que achou estar a ser sujeito a uma força excessiva e lhe pedia ajuda".

Perguntam os leitores: mas então, neste caso, perante os antecedentes disciplinares do treinador do Benfica, não há reincidência e, como tal, agravamento da pena? Há. Na verdade, Jorge Jesus, em função de ter sido castigado em 2011/12, deveria ter sido sancionado com um mínimo de dois meses de suspensão, mas pelo facto de ser treinador (beneficia de uma redução "a um quarto") e de ter confessado a factualidade acima descrita, à CII afigurou-se adequada a aplicação de uma sanção de 30 dias de suspensão, considerando o princípio da proporcionalidade.

Em síntese: é possível que Jorge Jesus tenha "cegado" e não se tenha apercebido da gravidade dos actos que perpetrou em Guimarães, na noite de 22 de Setembro. O contexto em que ele se encontrava, sob enorme pressão, no seguimento do "caso Cardozo", com os adeptos a optar pelo apoio ao paraguaio, não o colocava numa posição de estabilidade emocional. Mas isso não invalida o reconhecimento da factualidade. Jorge Jesus é um grande treinador, mas a justiça desportiva não pode continuar a arranjar expedientes para o proteger. Dos actos e das declarações. Já são muitos os exemplos contraproducentes, que penalizam a sua imagem e a do clube encarnado.

Sem a "colaboração" da CII, Jorge Jesus não escaparia a um mínimo de 3 meses de suspensão.

Assim, e num processo relativamente célere (apontei sempre para este prazo, ao contrário de Pinto da Costa que fez declarações em sentido contrário, prevendo que o castigo só sairia lá para o Verão), o Benfica não contará com o seu técnico no jogo de hoje com o Sp. Braga, e ainda com o Rio Ave, Arouca e Olhanense. Sem dúvida, um mal menor.

NOTA - O DN de sexta-feira utilizava uma "fonte do Benfica" para desmentir a notícia em primeira mão que havia dado no Tempo Extra da Sic Notícias, segundo a qual o castigo de Jorge Jesus tinha sido acordado com a CII, no âmbito de um mecanismo regulamentar. Oficialmente, no Benfica, ninguém o assumiu porque era impossível fazê-lo. O relator do acórdão escreve, inclusive que por princípio a sua posição é "contrária a este tipo de negociação". Negociação, sim. Acordo, sim. O DN foi enganado e não lhe teria ficado mal reparar o erro. 


- Rui Santos, jornal Record, 23 de Novembro de 2013

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