quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Nem de propósito: que Matic nasça dez vezes

Nem de propósito: que Matic nasça dez vezes

Talvez só assim seria possível não ter prejuízos desportivos com a venda de um jogador tão influente. Não há almoços grátis e as sucessões preparam-se com tempo

«Solução para Matic na formação? Tinham de nascer dez vezes»

Jorge Jesus, treinador do Benfica
«Nasceremos mais nove vezes se for preciso! Ninguém nos rouba o sonho de uma vida»Filipe Nascimento, médio dos juniores do Benfica
«A imprensa pegou no que nós dissemos e deu-lhe outra interpretação» Bernardo Silva, médio do Benfica, após jogo pela equipa B com o Portimonense
«Matic terá um enorme impacto no Chelsea»José Mourinho
«Será difícil substituir Matic»Katsouranis, antigo médio-centro do Benfica, hoje no PAOK
Nenhum jogador deve tornar-se tão imprescindível numa equipa a ponto de deixar uma sensação de perda irreparável quando sai. 

Isso não é saudável para o coletivo e gera riscos difíceis de minimizar. Mas por muito que todos, no futebol de alta competição, percebam isso, há casos que serão facilmente identificáveis: CR7 no Real Madrid; Ibra no PSG; Messi no Barça (a partir de agora, um pouco menos, com a contratação certeira de Neymar). No passado, Figo no Barcelona, Beckham no Manchester United.

Até há algum tempo, poucos se lembrariam de acrescentar a esta lista... Matic no Benfica. Mas o que se passou nos últimos dias torna legítima a inclusão.

As dores benfiquistas pela perda de Matic são uma bela prova de que nem mesmo no futebol de alta competição o dinheiro é o mais importante. 

Já nem falo da tal questão de Matic ter sido transferido para o Chelsea por metade da cláusula (25 milhões da venda para os Blues, 50 milhões era o valor da cláusula e só por isso montante, jurava o presidente do Benfica há precisamente um ano, sairia o sérvio). 

Mas atendendo ao argumento usado por Jorge Jesus de que Matic será neste momento «o melhor médio-defensivo do Mundo» e que não se encontrará substituto à altura (e não estou a falar dos 1,96 metros de Nemanja), então não será difícil concluir que esta foi uma transferência com custos desportivos potencialmente elevados para os encarnados. 

«Money rules»? Certo. E já todos percebemos que Benfica e FC Porto, afastados da Champions de forma precoce, mostram uma invulgar abertura, em pleno desenrolar da época desportiva, para dar prioridade ao encaixe financeiro, mesmo podendo sacrificar os melhores trunfos do plantel. 

A polémica interna que se criou na casa benfiquista em torno da sucessão de Matic mostra que a saída do sérvio não foi devidamente preparada. 

É claro que as jovens promessas da formação não precisam de «nascer dez vezes» para poderem ambicionar ocupar, num futuro breve, o lugar de Matic e de outros eventuais «indispensáveis» do onze benfiquista. 

Mas Jorge Jesus, como muito bem aqui se explicou no Maisfutebol, nem tem tido uma aposta assim tão clara na integração dos jovens da formação encarnada na equipa principal. 

Ninguém de bom senso poderia exigir que algum prodígio da formação saltasse diretamente para o onze do Benfica e fizesse esquecer a influência do agora reforço do Chelsea. 

A evolução de Matic no Bendica foi simplesmente notável. Surgiu como moeda de troca para completar o negócio de David Luiz para o Chelsea, há precisamente três anos. 

Em Stamford Bridge, até houve quem achasse estranho que o Chelsea pague agora 25 milhões por alguém que deixou fugir há três anos... ao mesmo clube a quem agora contrataram: «Vocês pagaram 45 milhões pelo Matic. Parabéns!», escreveu um adepto do emblema londrino no Twitter.

No início, quando chegou à Luz em 2011 com o tal rótulo de dispensado do Chelsea, Matic não tinha hipóteses de lutar pela titularidade, porque tinha Javi García como opção indiscutível para o lugar. Mas sempre que teve oportunidades, mostrou já um potencial tremendo. 

Quando Javi García se transferiu para o Manchester City, Matic foi o «Manel» que Jesus tinha mesmo ali à mão. E entrou que nem uma luva no esquema de jogo do Benfica.

Sólido a defender, enorme na interpretação do jogo coletivo, pendular na qualidade das exibições ao longo da época (terá sido o melhor jogador da Liga 12/13), com capacidade concretizadora (só não ganhou o Prémio Puskas para melhor golo de 2013 porque Ibra inventou aquele golo... extraterrestre à Inglaterra), Matic é o chamado «médio do futebol moderno». 
Mais completo que um «6». Mais abrangente que um «8».

Na hora da saída da Luz, todos se lembraram do melhor Matic que era a referência do meio-campo do Benfica na última época e meia.

Mas convém, nesta fase de «vazio pós-Matic» no meio-campo encarnado, lembrar que o sérvio não apareceu logo como solução óbvia aos olhos dos benfiquistas.

«Não joga o Matic, joga o Manel», atirou Jesus, numa frase que fez as delícias das reações imediatas deste era das redes sociais.

O técnico do Benfica sabe bem que não tem ninguém (seja no seu plantel, seja no mercado, dentro das aquisições para o bolso da SAD benfiquista) que lhe desse garantias imediatas ao nível do que o sérvio lhe oferecia.

Mas as alternativas preparam-se. Parece claro concluir que Fejsa ou Ruben Amorim, sendo jogadores com provas dadas, correm o risco de perder sempre na comparação imediata com Matic.

Voltando, então, ao início: nenhum jogador deve ser tão imprescindível numa equipa a ponto de deixar uma sensação de perda irreparável quando sai.

Jorge Jesus, que nos últimos anos já teve a arte de fazer boas adaptações e valorizar jogadores cujo potencial estava «adormecido» terá, nesta segunda metade da época, talvez o 
maior desafio na gestão do seu onze e no equilíbrio tático da equipa: como manter a qualidade do jogo do Benfica sem a pedra mais influente?

Com Cardozo a demorar a voltar e Rodrigo goleador mas possivelmente também de saída, o Benfica tem redobrada necessidade de ter soluções para o meio-campo que possam, também, elas, dar 
mais-valias na concretização. 

Mesmo na liderança do campeonato, o Benfica parte para a segunda volta com questões internas difíceis de ultrapassar.

Esqueçam lá soluções milagrosas vindas da formação (isso demora tempo e exige trabalho progressivo e integrado). 

O trabalho da formação implica tempo e não tem resultados regulares. Mas o bom exemplo do Sporting de Leonardo Jardim mostra que a aposta na formação pode ser amiga dos interesses desportivos até em casos de cortes orçamentais no plantel.

Ou então esperem que nasçam dez novos Matic prontos a serem descobertos e trabalhados.

Isso é que era.


«Nem de propósito» é uma rubrica de opinião e análise da autoria do jornalista Germano Almeida. Sobre futebol (português e internacional) e às vezes sobre outros temas. Hoje em dia, tudo tem a ver com tudo, não é o que dizem? 

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