segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Porque é que gostamos tanto do Benfica-Sporting?

Porque é que gostamos tanto do Benfica-Sporting?

O futebol está para a sociedade como a loira voluptuosa está para o estaleiro de obras: pára tudo à sua passagem. Por que razão um simples jogo tem este poder? Por que razão um Benfica-Sporting ou Benfica-Porto pára o país? Porque é que gostamos tanto de futebol? Porque razão o nosso clube chega a determinar a nossa percepção do tempo, funcionando como um verdadeiro relógio biológico?  A explicação normal passa por dizer que o futebol é o nosso escape irracional. Como somos seres muito racionais, sofisticados e cosmopolitas, a bola funciona como a nesga de barbaridade que nos reconcilia com o nosso ADN guerreiro; durante aqueles 90 minutos voltamos a honrar os genes de trogloditas da selva, os tais genes beligerantes que conseguimos aprisionar nos restantes 9.990 minutos da semana. 
Não nego a validade da tese. Durante os 90 minutos, eu sou mesmo um apache que só vê escalpes verdes ou azuis para arrancar. Mas falta aqui qualquer coisa. A explicação não pode ser apenas a vontade primitiva de partir o focinho da tribo rival. Parecendo que não, nós não somos os macacos do 2001 - Odisseia do Espaço. Neste sentido, julgo que a explicação tem de incluir um aspecto racional, a saber: nós damos muita atenção ao futebol, porque a bola é das poucas coisas que nos mantém unidos como seres racionais e palrantes. Nesta sociedade pós-moderninha, o futebol é talvez o único chão comum que nos permite ter assunto de conversa. Voltamos, portanto, à dispersão e à excessiva fluidez da "sociedade virtual".
Nós já não vemos em conjunto as mesmas séries, novelas ou filmes, já não lemos os mesmos livros, já não ouvimos os mesmos discos. Sim, temos uma liberdade de escolha imensa, mas depois não temos assunto de conversa, porque mais ninguém está a ler o livro que estamos a ler, mais ninguém está a ver a série que estamos a ver, etc., etc. Somos cada vez mais ilhas isoladas. Cada um de nós empilha os seus gostos individuais uns em cima dos outros, e no final ficamos com uma pilha pessoalíssima, interessantíssima e completamente intransmissível, porque mais ninguém está interessado em ler os nossos livros ou em ver os nossos filmes. Ficamos lá em cima, sentados na pilha, sapientíssimos mas sem ninguém com quem falar. É por isso que o futebol é tão importante, tão racionalmente importante: estamos todos juntos a ver a mesma coisa, sentindo uma comunhão que não sentimos em mais lado nenhum, e sabendo de antemão que iremos partilhar conversas no dia seguinte. Durante aqueles 90 minutos e no primeiro café de segunda-feira, deixamos de ser os átomos isolados desta distopia chamada  "sociedade virtual". 

Sem comentários:

Enviar um comentário