quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

António Tadeia: As diferenças entre Jesus e Eriksson

António Tadeia: As diferenças entre Jesus e Eriksson

O facto de Jorge Jesus ter ultrapassado Sven-Goran Eriksson em total de vitórias aos comandos do Benfica e, sobretudo, a circunstância de o ter feito em igual número de jogos não é apenas uma simples curiosidade estatística. Vem reforçar a ideia de que este treinador tem feito um trabalho excelente na Luz. Mas a realidade mede-se bastante para lá destes números. Mede-se em títulos: e aí Jesus fica bem atrás do sueco. Mede-se também em influência doutrinária: e, sendo verdade que só o tempo responderá de forma cabal a este aspeto, também aqui dificilmente Jesus poderá vir a deixar um legado semelhante ao de Sven.

Tanto Jesus como Eriksson chegaram ao Benfica em alturas traumáticas. De Jesus, por ser recente, quase todos conhecem a história: entrou em 2009 num Benfica em crise profunda (uma vez campeão em 15 anos, e da maneira que foi...) e ganhou a Liga de 2010 com o brilho inquestionável de um futebol superofensivo. Há 30 anos, quando Fernando Martins trouxe Eriksson para Lisboa, os encarnados vinham de cinco anos com apenas um campeonato ganho (o FC Porto vencera em 1978 e 1979 e o Sporting em 1980 e 1982). Normal? Visto à luz dos dias de hoje, talvez, mas nessa altura o Benfica vivia regularmente ciclos de três títulos a cada quatro épocas. Eriksson chegou, revolucionou o treino e as mentalidades, e em dois anos esteve numa final da Taça UEFA, ganhou duas Ligas e a admiração dos adeptos portugueses.

O pior, para ambos, foi a continuação. Eriksson voltou quase uma década depois a Portugal, mas deixou no ar um certo clima de aburguesamento, a imagem de um treinador que já não se movia em função das ideias mas sim do dinheiro. Jesus foi ficando, tanto por convicção de um presidente que acredita nele e nas virtudes da estabilidade, como pela sua própria incapacidade para trabalhar fora do país, mas o mais que tem conseguido obter são épocas perdidas à beira da meta, num ambiente de exaustão (física e psicológica) geral.

No fundo, o que separa Jesus e Eriksson é mais que uma vitória. Um foi um príncipe capaz de convencer toda a gente com um sorriso mas mais dado aos prazeres da vida mundana do que ao esforço e ao suor; o outro é um trabalhador obsessivo e incansável, mas incapaz de mobilizar vontades até mesmo no interior do balneário. 


Eriksson teve tudo para ser um dos grandes e não quis - porque não o foi, por mais dinheiro que tenha ganho. Jesus quer tanto e daria tudo por sê-lo, mas não pode. Ao Benfica, mais que decidir quem foi melhor, daria um jeitão ter um misto dos dois. E já o teve. Chama-se Mourinho. 

- António Tadeia, jornal Record, 4 de Dezembro de 2013

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