Os jogadores são os principais protagonistas do futebol, mas
há mais sobre eles do que é possível ver em campo. O Vavel Portugal faz hoje o
raio-x a Nemanja Matic, médio do Benfica.
Nemanja Matic nunca prometeu o que veio a demonstrar: do
alto do seu metro e noventa e quatro, o médio defensivo nascido na localidade
de Vrelo, na actual Sérvia, escondia um talento tecnicista que explodiu somente
quando mereceu a confiança do treinador Jorge Jesus, corria a época de
2012-2013. Depois de agarrada a titularidade no meio-campo do Benfica, Matic
desenvolveu, num ápice, grande parte do seu potencial futebolístico, potenciado
pela sucessão de jogos e pelo acumular de tarefas que foi desempenhando no
esquema táctico do Benfica vice-campeão da Liga Zon Sagres, vice-campeão da Liga
Europa e igualmente vice-campeão da Taça de Portugal. Depois de tanta vitória,
e no meio de tanta derrota final, Matic foi avassalador: autêntico médio
omnipresente no sistema do Benfica, o sérvio defendia, repunha a bola jogável,
organizava a posse e empurrava, criteriosamente, a equipa para o ataque. Não
admira que, por todo o esforço dispendido, o médio de 25 anos tenha sido um dos
que mais penou com a derrocada benfiquista da época transacta.
Da Eslováquia para «os blues» londrinos
Matic
iniciou a sua carreira profissional no clube sérvio FK Kolubara, decorria a
época de 2005-2006. Depois da iniciação, Nemanja emigrou para a Eslováquia,
para representar o MFK Kosice, no interregno da temporada seguinte. Defendendo
os seus créditos de mãos alheias, o jovem médio pegou de estaca no clube e da
Inglaterra chegou o interesse do Chelsea, que contratou Matic por uma verba a
rondar 1,5 milhões de libras: sem espaço no plantel, o incógnito médio teve uma
passagem fantasma pelo clube londrino, realizando apenas três jogos pelos
«blues», à data orientados porCarlo Ancelotti. Sem margem para deixar a sua
marca na Premier League, Matic ingressou nos holandeses doVitesse, através de
uma cedência temporária, afim de retomar a curva ascendente da sua progressão,
entretanto estagnada. Depois de 29 jogos e dois golos marcados, o passe do
sérvio foi usado como parcial moeda de troca no âmbito do negócio da compra de
David Luiz por parte do Chelsea. Assim chegou Matic ao Benfica, avaliado em 5
milhões de euros embora um completo desconhecido para a maioria dos adeptos
encarnados.
Afirmação total de «águia» ao peito
Se desconhecido era, Matic passou a indispensável mais-valia
no seu actual clube, o Benfica. Se aparentava, antes da titularidade
indiscutível, um ar escanifrado, depressa o sérvio fez questão de apaixonar os
adeptos encarnados com o seu futebol descomplicado, incisivo, lógico, seguro e
fino. O seu esplendor total surgiu com a saída de Javi Garcia, que abriu as
portas da titularidade ao espadaúdo médio defensivo: rapidamente pegou nas
rédeas da equipa e tomou para si a responsabilidade de organizar o meio-campo
de Jesus, defendendo bem e atacando meticulosamente. Blindado com uma cláusula
de 50 milhões de euros e uma extensão contratual que o liga ao clube até 2018,
Matic foi considerado o melhor jogador da Liga na passada temporada, tendo um
dos seus golos (frente ao FC Porto, a 13 de Janeiro de 2012) sido nomeado para
«Golo do ano», ao passo que o seu nome consta, também, da lista de 40 jogadores
escolhidos pela UEFA para integrarem o melhor onze do ano. Com 94 jogos (oito
golos marcados) de águia ao peito, Matic é hoje um dos médios mais cobiçados da
Europa, chegando-se mesmo a teorizar um hipotético regresso a Stamford Bridge.
Um motor sérvio «todo-o-terreno»
Matic engana pela estatura longilínea: o canhoto é, de
facto, um tecnicista primoroso, apesar da sua altura elevada. Desarma
eficientemente os adversários, impõe uma pressão alta na zona central do campo
e conduz a bola colada ao pé com uma facilidade inquietante. Capaz de percorrer
toda a zona do miolo, o centrocampista encarnada é um pilar defensivo
incansável e ao mesmo tempo um elemento fundamental na organização atacante,
pela forma como despoleta as transições e pela capacidade que tem de se
adicionar ao processo ofensivo. O sérvio é um jogador versátil que na época
anteriordesempenhou três papéis num só: médio defensivo, médio de transição e armador
de jogo, colocado ao lado de Enzo, com o qual repartia várias tarefas. Na
formatação táctica de Jesus a exigência que recaía sobre os ombros de Matic era
ainda maior, pois do esquerdino o técnico esperava futebol total ao longo da
faixa central, pressão alta sobre o portador da bola, desarmes, incursões
ofensivas com derivações para as alas (vimos Matic fazê-lo inúmeras vezes no
ano passado) e apoios defensivos, nomeadamente dobras aos laterais do Benfica,
ambos extremamente atacantes.
Por tudo isto, Matic caracteriza-se como um jogador incrivelmente
versátil, fisicamente imponente, apto para duelo corpo-a-corpo e munido,
tecnicamente, de um manancial considerável de movimentos graciosos que, ao
longo do tempo, foram apagando por completo a ideia de que seria um jogador
pleno de força mas em tudo desengonçado. Peixe dentro de água na posição de
médio defensivo, à frente da linha defensiva, Matic pode desempenhar funções de
médio centro declarado, visto ser capaz de conduzir a bola e engendrar jogadas
de ataque integrando-se ele mesmo na manobra da busca pelo golo, o que o torna,
em última instância, um activo a ter em conta na posição «8», com contornos de
«box-to-box», pêndulo de ligação entre sectores.
Diferendo com Mihajlovic
Enquanto Matic espalhava classe pelos relvados, o
seleccionador da Sérvia, Sinisa Mihajlovic, mantinha-se a leste da categoria do
jogador benfiquista, não o convocando para os jogos do seu país. O diferendo
entre o seleccionador e o jogador foi moroso e Matic era acusado por Sinisa de
não ter intenção de representar a Sérvia, facto que chegou a ser desmentido
pelo médio. Ultrapassada a discórdia, Matic ingressou na selecção e tornou-se,
instantaneamente, num activo importante, titular indiscutível no meio-campo
sérvio, por vezes ao lado do seu colega no Benfica, Fejsa. Apesar do final
feliz, Matic já não foi a tempo de ajudar a sua selecção a estar presente no
Mundial de 2014, no Brasil. Matic apenas disputou duas partidas da fase de
apuramento.
Piloto «auto-Matic»
O valor do sérvio é inegável e a sua abnegação e trabalho
árduo caíram no goto dos adeptos benfiquistas, que vêem em Matic uma peça
indispensável no onze da sua equipa. Para Jorge Jesus, o sentimento deverá,
certamente, ser o mesmo, atendendo à incontornável regularidade presencial do
jogador, sem o qual o jogo encarnado perde rigor, pejo defensivo e orientação
posicional. A época 2012-2013 foi repleta de grandiosos jogos de Matic, muitos
deles no contexto internacional: partidas contra o Fenerbahce ou ante o
Chelsea, na final da Liga Europa, foram um verdadeiro hino ao trabalho do médio
defensivo, incansável na sua própria superação táctica e técnica. Se o Benfica
tinha no espanhol Javi Garcia um trinco duro e feroz, passou a ter em Matic um
médio multi-funções que alia o rigor defensivo ao atrevimento ofensivo, facto
que permite ao sérvio encaixar-se apropriadamente em vários esquemas tácticos
sempre com a mesma eficiência: do 4-2-4 de Jesus (onde é médio total), ao
4-2-3-1 (onde joga com mais apoio), passando pelo 4-3-3 (onde se situa no lugar
«6»), o esquerdino é um autêntico piloto «auto-Matic», pronto a desempenhar as
mais variadas funções.
O futuro passa pelo Benfica e pelo desejo de conquistar
troféus com a camisola encarnada, mas a cobiça europeia poderá falar mais alto,
e outros voos poderão estar mais perto do horizonte de Matic do que aquilo que
actualmente se prevê. Desde o interesse do Mónaco, Chelsea e Nápoles, muitos
serão os clubes interessados em resgatar o sérvio do ninho da águia.
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