Cartão de memória: então tu é que és o
Benfica?
Nasceu
das cinzas o Benfica mais vermelho que me lembro
Tivesse eu mais dez anos, talvez, e nesta altura estaria a
dizer ao Benfica: «Eh pa, estás na mesma». Ou então um «Tás gordo pá», que é
aquele apontamento que só foi um elogio num tempo em que pesar quilos a mais
era sinónimo de estar bem na vida.
Mas não. Hoje olho para aquelas camisolas vermelhas e só
digo: «Então tu é que és o Benfica? Muito prazer. Já ouvi falar muito bem de
ti».
Eu cresci a ouvir muita coisa sobre o Benfica. O grande
Benfica. O Benfica europeu. Que mandava. Que ditava leis. O Benfica onde as
camisolas ganhavam jogos. O Benfica dominador.
Traçaram-me o perfil de um gigante adormecido. Moribundo em
alguns anos. Contaram-me o que foi, como era, como poderia ter sido.
Mas eu só via um Benfica hesitante. Errático. Um Benfica que
se escondia, que ficava pequeno. Via um Benfica que envergonhava o passado e
que não tinha nada a ver com o que me diziam. Via, em suma, um Benfica que não
era o Benfica.
Más companhias, más escolhas. Uma sucessão de tiros ao lado.
Se calhar o azar, mas a fortuna pouco explica no futebol. Explicações para
aquela pálida imagem do que me diziam ser o Benfica havia aos montes. Umas por
demérito próprio. A maioria por mérito alheio.
Tenho memória de três campeonatos ganhos pelo Benfica, para
além deste. Em 1994 era ainda novo de mais para perceber se aquele ainda era o
Benfica dos livros. Dizem-me que sim. Que foi o último Benfica a sério. Em 2005
vi um Benfica menos mau que os demais. Em 2010 um Benfica vistoso, artista e
arrogante. Mas a sofrer até ao fim.
Em 2014 chegou o Benfica mais vermelho. O Benfica de cabelos
pintados e de 33 na face. O Benfica que eu nunca vira e para o qual terei de
arranjar uma gaveta nas memórias.
«Então tu é que és o Benfica?». O Benfica que manda, que é
campeão com margem suficiente para fechar a camisola e erguer os braços. Para
ir de um lado ao outro da pista e saudar toda a crew em gaudio. O Benfica com
duas finais europeias seguidas.
Nasceu das cinzas de um final deprimente. Cresceu no caos,
segurou-se nas indecisões e absorveu o medo inimigo. Foi ganhando pontos, fé,
prestígio. Cresceu até ser o Benfica mais dominador que tenho memória. Que
ganha com dez, em casa e fora. Que resiste com nove.
A ponta final da época passada, e o tom elevado de Jesus
quando se debruça sobre o tema só o confirma, deixa aberta a porta do «E se…».
Mas este Benfica é mais maduro. É mais Benfica. É um Benfica
que ainda não conhecia.
Muito prazer, então. Mostra lá o que sabes fazer mais.
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