quarta-feira, 7 de maio de 2014

Michel Preud’Homme: «Não fui campeão porque o Porto era melhor»

Michel Preud’Homme: «Cheguei e ouvi: era bom mas está velho»

A classe de um guarda-redes aos 35 anos; os colegas de posição no Benfica; os treinadores mais marcantes e as melhores exibições; tudo em EXCLUSIVO ao Maisfutebol

O ferrão da crítica nem sempre acerta no alvo. O caso de Michel Preud´Homme é lapidar. Em entrevista ao Maisfutebol, o antigo guarda-redes do Benfica puxa pela cabeça e recorda o dia em que chegou a Portugal. Tinha 35 anos e ostentava um estatuto raro: melhor guarda-redes do Mundial 1994.

«Nem essa eleição chegou. Os jornalistas e os adeptos olharam para a minha idade e não quiseram saber de mais nada», sublinha, num tom amistoso mesmo com as palavras mais doridas.

«Todos diziam: o gajo era bom mas está velho. Só vinha para o Benfica preparar a reforma. Acho que em cinco temporadas provei precisamente o oposto. Deixei de jogar aos 40 e por mim continuava mais uns anitos (risos)», brinca o famoso belga, agora já cinquentão e a trabalhar na bela cidade de Brugge.

«Tive de dar a volta à cabeça e à mentalidade das pessoas. Um homem de 35 anos não consegue ser competente a jogar futebol? Claro que consegue», continua Michel Preud’Homme.

Nesse Mundial de boa memória para Michel, a Bélgica chega aos oitavos-de-final. Perde 3-2 contra a Alemanha, mas nessa altura já Preud’Homme encantara meio mundo com três exibições fabulosas na fase de grupos.

Curiosamente, o contrato rubricado com o Benfica nada teve a ver com essas amostras de monstruosa capacidade. «Não, nada. Eu fui para os EUA já como jogador do Benfica (risos). Saí do Malines e o Luciano D’Onófrio [empresário] falou-me da possibilidade de ir para Portugal. Falei uma vez com o senhor Manuel Damásio [ex-presidente do Benfica] e assinei logo».

«A minha melhor exibição foi numa derrota na Luz»

Michel Preud’Homme não precisa de pensar muito quando responde à questão obrigatória: qual foi o melhor jogo ao serviço do Benfica?

«Vão ficar surpreendidos, mas foi numa derrota. Perdemos contra a Fiorentina 0-2 em casa [6 de março de 1997, Taça das Taças] e o Batistuta fez um jogo extraordinário. Deixou-me as mãos a arder (risos)», dispara Preud’Homme.

O Benfica ainda foi vencer por 0-1 a Florença, um resultado insuficiente. «Na Fiorentina estava o Rui Costa. Ele nem conseguia olhar para nós, os jogadores do Benfica. Não foi a minha única grande noite, mas dessa nunca me esqueço».

O ex-dono e senhor da baliza das águias também destaca uma célebre derrota por 1-0 contra o FC Porto, na Supertaça [18 de agosto de 1996]. «O Domingos marcou e eu evitei um resultado mais pesado. Lembro-me também de ter feito uma grande exibição no Estádio do Bessa, contra o Boavista».

«Só tive alguns problemas com o Ovchinnikov»

Cinco anos na Luz, oito colegas de posição na luta pela baliza do Benfica: Neno, Tomás, Veiga, Brassard, Nuno Sampaio, Pedro Roma, Paulo Lopes, Bossio e Ovchinnikov. Michel Preud’Homme guarda «gratas recordações» de todos. Ou de quase todos.

«Só o Ovchinnikov causou alguns problemas (risos). Nada de grave. Com ele tive uma relação diferente, porque não aceitava ser suplente. Não era fácil para ele estar no banco, mas teve de esperar que o belga se reformasse (risos)», conta Preud’Homme.

O melhor companheiro, acrescenta, foi Neno. «Era um grande campeão. Tinha conquistado o título, eu cheguei e ele perdeu o lugar. Nem assim reagiu mal. Aceitou-me, tornou-se meu colega de quarto nos estágios e um amigo verdadeiro. Grande pessoa, um tipo excecional».

«O Benfica não era só eu e o JVP»

Por esses dias na Luz, já se percebeu, os resultados não condiziam com a grandeza do clube. Não era raro, aliás, escutar aqui e ali uma ideia curiosa: «o Benfica é o Preud’Homme, o João Vieira Pinto e mais nove tipos».

Michel ri-se ao escutar a frase, mas diz logo não concordar. «É verdade que eramos os dois importantes, o João fazia a diferença. Mas é bom lembrar o outros grandes colegas de equipa: Abel Xavier, Hélder, Veloso, Vítor Paneira, Mozer, Valdo, Caniggia… com estes nomes, o Benfica não podia ser só o Preud’Homme e o JVP».

Sobre os colegas de equipa estamos falados. E os treinadores? Com quem mais se identificou Michel?

«O Artur Jorge não teve sucesso, mas escolheu-me e não me posso esquecer disso. Foi ele que teve a ideia de me contratar quando eu era um velhinho de 35 anos», recorda o belga. «Tive uma boa relação com todos. Graeme Souness, Manuel José, Paulo Autuori e o senhor Mário Wilson. Que grande personagem era o Mário Wilson!»
Michel Preud’Homme: «Não fui campeão porque o Porto era melhor»

Ex-guarda-redes do Benfica fala do ciclo difícil na Luz nos anos 90, de Vítor Baía e de Steven Defour. «Ele e o Axel Witsel são as minhas crianças», diz ao Maisfutebol

«Parece impossível, não é?» Michel Preud’Homme formula ao ser confrontado com o pobre pecúlio de troféus na Luz. Cinco temporadas de intenso domínio do FC Porto, uma só Taça de Portugal para o museu da Luz. E explicações para isto?

O ex-guarda-redes belga, um dos melhores de sempre, apresenta a sua defesa. «Fui contratado depois de o Benfica ter sido campeão nacional. Em 1994. Cheguei e o plantel estava a ser completamente mudado», começa Preud’Homme.

O Benfica acaba essa época a 15 pontos do FC Porto (e a oito do Sporting). Os dragões iniciam o périplo do pentacampeonato, esmagadores. Michel Preud´Homme tem más memórias dos azuis e brancos.

«O Benfica não estava forte e o FC Porto era muito melhor. Nessa fase o domínio deles era intocável», reconhece Michel. «Tinham uma espécie de superioridade moral nos jogos contra nós, eram arrogantes no bom sentido. No futebol isso é um bom começo de conversa».

Preud’Homme nem se quer lembrar dos famosos 0-5 na Luz para a Supertaça. «Pergunte-me tudo, menos para analisar esse jogo (risos). Ao menos a equipa agora do Jorge Jesus está a conseguir acabar com essa imagem terrível».

A conversa passa por várias personagens e chega, naturalmente, aos monstros sagrados da baliza. Michel, humilde, não se autoproclama o melhor de todos no panorama do futebol português.

«O Mlynarczyck era fabuloso, o Bento e o Vítor Baía também. Aliás, eu e o Vítor vamos estar juntos numa homenagem às nossas carreiras. Todos eles tiveram tanto ou mais nível do que eu», considera.

A despedida estava a chegar, Michel tinha ainda de preparar o jogo do Club Brugge contra o Anderlecht [importante para a decisão do título belga] e só houve tempo para falar um pouco sobre Steven Defour e Axel Witsel.

Os dois belgas, tão conhecidos em Portugal, trabalharam com Michel Preud’Homme. O primeiro no Genk e no Standard, o segundo também em Liège.

«Com eles os dois e o Fellaini [agora no ManUtd] tive um meio-campo tremendo no Standard. O Steven e o Axel são duas crianças minhas», graceja Michel Preud´Homme. «Na Bélgica são vistos como jogadores de topo. Vão ser importantes no Mundial».

E, afinal, qual é a posição ideal para Steven Defour, o único a jogar ainda em Portugal?

«O Steven tem estado bem no FC Porto. No Standard ele não tinha uma posição fixa. Os três homens do meio-campo movimentavam-se muito, alternavam entre eles, mas eu gosto muito de o ver na posição seis. É inteligente e entrega bem a bola. Na seleção joga mais adiantado».

«Oblak é frio e tranquilo»

Histórico guarda-redes do Benfica vai ser homenageado em junho no Porto; em entrevista ao Maisfutebol fala sobre o jovem esloveno e a temporada das águias

De 1994 a 1999, o Benfica teve na baliza um dos melhores guarda-redes de todos os tempos. Michel Preud’Homme, o senhor das redes, passou pela Luz e deixou um rasto de categoria ímpar e simpatia contagiante.

As grandes exibições de águia ao peito não tiveram, porém, eco no número de títulos conquistados. Em cinco temporadas, o antigo internacional belga ganhou só uma Taça de Portugal, ao derrotar o Sporting por 3-1, no dia 18 de maio de 1996 [golos de Mauro Airez, João V. Pinto (2) e Carlos Xavier].

Os mais imprudentes julgariam a passagem de Preud´Homme pelo Benfica como mal sucedida. Nem pensar. Só por desconhecimento, pressa ou má vontade se atribuiria uma nota negativa a um dos mais brilhantes keepers da história.

A propósito da homenagem de que será alvo no I Congresso Internacional de Guarda-Redes, a realizar nos dias 6, 7 e 8 de junho, o Maisfutebol fez uma grande entrevista a Michel Preud´Homme.

Num português imaculado e a bonomia de sempre, o atual treinador do Club Brugge atende-nos na véspera do importante jogo contra o Anderlecht [que haveria de perder por 0-1].

A conversa começa pelo presente [o ano de ouro do Benfica], antes de se instalar em definitivo no baú das memórias. Uma grande exibição de Michel Preud´Homme, sem luvas.

«Este ano o Benfica vai ganhar tudo»

A primeira pergunta coloca Preud´Homme em silêncio. Hesitante. O belga não sabia que Jan Oblak e Artur Moraes são os primeiros guarda-redes estrangeiros do Benfica a celebrar o título nacional na Luz.

«Isso é uma surpresa. Vi jogar duas vezes o Oblak, contra o Tottenham e a Juventus, e gostei muito. É um menino com qualidade para vir a ser um grande guarda-redes. Parece-me frio e tranquilo. O Artur já conheço há vários anos, é maduro e sabe estar na baliza», refere Preud´Homme.

O ano do Benfica, de resto, enche-o de orgulho. «O Benfica e os seus adeptos já mereciam isto há muito tempo. O trabalho do Jorge Jesus já lá estava o ano passado, mas a equipa perdeu as finais e o mundo caiu em cima do treinador. O futebol é assim».

Preud’Homme assume o seu profundo ateísmo no que ao desporto diz respeito. Não acredita «em milagres» nem em conquistas «fruto do acaso». «Uma equipa que repete em anos consecutivos a presença em finais tem de ser extraordinária. Este ano, provavelmente, o Benfica vai ganhar tudo», prevê.

«Vou voltar a Portugal; para trabalhar ou para a reforma»

O trajeto de Michel Preud´Homme como futebolista é invejável. Em 1994 foi eleito o melhor guarda-redes do mundo, representou 58 vezes a seleção da Bélgica, esteve nos Mundiais de 90 e 94 e fez mais de 700 jogos como profissional.

No cargo de treinador, o cenário já é prometedor. «Fui campeão no Standard Liège, levei o Gent à melhor classificação de sempre [segundo lugar], também ganhei o título no Twente [Holanda] e no Al Shabab [Arábia Saudita]. Agora estou a lutar pelo mesmo no Club Brugge», lembra.

«É totalmente diferente de ser guarda-redes. Antes preocupava-me só comigo, agora penso em tudo o que envolve a equipa. Mesmo em casa estou constantemente a fazer relatórios, a analisar e a ver vídeos, é muito mais absorvente ser treinador do que jogador».

Preud´Homme é um ganhador, «sempre fui», e assume o desejo de regressar a Portugal. «De preferência para treinar e conquistar títulos. Se não for possível, já disse à minha mulher que a nossa reforma vai ser aí. O sol, a comida, a simpatia das pessoas, tudo isso me deixa cheio de saudades», atira.

Até agora tem faltado o «interesse sério de algum clube». E se esse convite viesse do Benfica? «Ficaria muito feliz, adorava voltar. Se fosse para o Benfica, fantástico».

Dados de Michel Preud´Homme no Benfica:

. 1994/95: 47 jogos oficiais (31 no campeonato)

. 1995/96: 45 jogos oficiais (33 no campeonato)

. 1996/97: 47 jogos oficiais (34 no campeonato)

. 1997/98: 33 jogos oficiais (28 no campeonato)

. 1998/99: 27 jogos oficiais (21 no campeonato)



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