domingo, 20 de abril de 2014

Das lágrimas do patrão Enzo ao talismã que chegou para a baliza

Das lágrimas do patrão Enzo ao talismã que chegou para a baliza
Médio argentino assumiu o meio-campo e foi decisivo nos jogos contra o FC Porto e o Sporting

As lágrimas de Enzo Perez no final da Liga Europa perdida para o Chelsea deixaram uma das imagens mais fortes da época passada do Benfica. Quando um jogador é assim, raçudo, cheio de coração, parece que merece menos perder do que os outros. 
Este campeonato foi a vingança de Enzo. Transformou a tristeza em vontade, correu de um lado ao outro do campo e, ao lado do 1,94 ou 1,85 metros de Matic ou Fejsa, foi ele o «gigante» do miolo. 
É verdade que nem sempre o sacrifício foi utilizado em qualidade e que, por vezes, a razão devia ter prevalecido sobre a emoção. O gesto feito ao árbitro no jogo com o Arouca valeu-lhe um castigo para lembrar isso mesmo. E ainda foi o terceiro jogador mais indisciplinado do Benfica, com seis cartões amarelos. 
No entanto, a raça também serviu para pegar na equipa quando foi preciso. Recuar até aos centrais, pedir a bola, conduzi-la calmamente e entregá-la aos pés dos colegas da frente, tudo isso mostrou que era o homem certo para o fazer. Se o Benfica teve um patrão esta época, esse patrão foi Enzo Pérez. 
Ainda por cima, soube escolher as suas vítimas. Primeiro o FC Porto, na Luz, quando ajudou a roubar a bola no primeiro golo, de Rodrigo, e marcou o canto que deu o segundo, de Garay. Ainda voltaria a fazer estragos ao dragão, convertendo o penálti da reviravolta para a Taça de Portugal. Isto, já depois de outros três golos marcados ao P. Ferreira, à Académica e ao Sporting. 

Aliás, este último golo merece um parágrafo só para ele. O argentino recupera a bola, ultrapassa os adversários em velocidade e a maneira como finta Eric Dier antes de rematar simplesmente não se faz. O que aconteceu depois? Enzo chorou. Só que, agora, de alegria.
Oblak, o talismã que faltava
Nunca o Benfica tinha sido campeão com um guarda-redes estrangeiro na baliza
Se no verão passado elegêssemos Oblak como uma das figuras do Benfica, o leitor ficaria chocado, certo? Compreende-se. Afinal, o esloveno andava a fazer uma birra sobre o contrato e Artur era dono e senhor da baliza encarnada. Parece que foi há tanto tempo... 
Entretanto, com Artur na primeira volta e Oblak na segunda, o Benfica sagrou-se pela primeira vez campeão com guarda-redes estrangeiros na baliza. O jovem de apenas 21 anos tornou-se, aliás, um indiscutível naquela que foi assumida como a prioridade por Jorge Jesus - o campeonato. Porquê? 
Bem, as qualidades são notórias e serviram de base desde logo à sua contratação, por 3,9 milhões de euros, quando ainda era menor de idade. Tem bons reflexos, sai bem nos cruzamentos e transmite uma segurança que o faz parecer 10 anos mais experiente. Mas vamos mais longe: Oblak dá sorte ao Benfica. 
Desde que assumiu a baliza, a equipa nunca perdeu nos jogos da Liga e só sofreu golos em duas partidas. Aliás, do registo do esloveno só consta um empate, com o Gil Vicente, na jornada 17, quando até foi mal batido no golo que deu o 1-1. Uma pequena nódoa que foi antecedida de 363 minutos sem sofrer um golo, aos quais se seguiram mais 456 minutos sem ir buscar a bola ao fundo das redes, até ao jogo com o Nacional, na jornada 23. 
Oblak é, portanto, aquilo que faltou ao Benfica nos últimos anos. Depois do terror de Roberto e da instabilidade de Artur, chegou alguém que não faz os adeptos encolherem-se a cada lance de perigo. Chegou alguém que não sofre aquele «frango» que decide um título. Chegou alguém que já não o deixa chocado por estar entre os melhores do novo campeão nacional.
Luisão, uma época «como nunca»
Central brasileiro vence o terceiro campeonato pelas águias
Segunda jornada, Benfica-Gil Vicente, 89 minutos. Os encarnados perdiam por 0-1 e a Luz estava em estado de choque. Os golos nos últimos minutos deram uma das vitórias mais importantes da época e Luisão correu para os benfiquistas. Nos lábios leram-se palavras feias, atípicas da relação que se espera entre um capitão e os seus adeptos. O que é certo é que, à sua raiva, seguiu-se não só uma equipa invencível na Liga, mas também uma temporada intocável do central.
«É a minha melhor época de sempre». Se Luisão o diz, quem somos nós para o contrariar? Na verdade, até concordamos. Aos 33 anos, o brasileiro decidiu mostrar que ainda há centrais daqueles que não têm medo dos miúdos de 20 que correm mais, mas que, por outro lado, não sabem correr tão bem.
Foi preciso chegar a 27ª jornada e o título estar praticamente decidido para Jorge Jesus o fazer descansar. Até ao jogo com o Arouca, Luisão atuou todas as jornadas e sempre durante 90 minutos. O treinador do Benfica sabia o que lhe estava a pedir: um «Luisão como nunca», nas palavras do próprio Jesus. E o central não o desiludiu.
Além de todos estes minutos nas pernas, Luisão também foi mostrar lá à frente como se faz. Leva nesta altura cinco golos marcados na época e, ao lado dos sete golos de Garay, ameaça o recorde da dupla de centrais do Benfica mais goleadora de sempre (Ricardo Gomes e William, em 90/91, marcaram 13 golos).
Luisão parece ser agora a prova de que ainda podemos acreditar que há jogadores que se fundem com os clubes. Com dez anos de águia ao peito, o capitão torna-se o único «tricampeão» do plantel e já fala em terminar a carreira no clube. Acabaram-se os rumores de saída a cada verão e até os adeptos já lhe terão perdoado todas as palavras feias.
Gaitán está no ponto
Menos irreverente, mas mais estável; menos individualista, mas mais útil para o Benfica
Que Nico Gaitán nasceu com um dom, já o sabíamos. Vimo-lo rapidamente, assim que chegou ao Benfica, já lá vão quatro épocas. O que aprendemos agora é que o rapaz argentino que sabia fazer umas fintas e dar uns toques daqueles que fazem o estádio sussurrar um «uuuuiiii...» cresceu. 
Gaitán está, como se costuma dizer, no ponto. E o seu amadurecimento foi fundamental para a época do Benfica, ainda que nem sempre traduzido em mais golos ou mais momentos marcantes. 
O argentino, que não tem outra alcunha para além de Nico (como é possível?) aprendeu finalmente com os erros. Depois de três épocas de grandes jogos (mais grandes jogadas, até), decidiu tornar-se menos irreverente, mas mais estável, menos individualista, mas mais útil para a equipa. 
Jorge Jesus passou a ter em Gaitán alguém em quem confiar. Muito para além da sua técnica e habilidade acima do normal, o argentino aprendeu a defender, a jogar com todos e para todos, a soltar a bola quando o colega do lado estava em melhor posição. No fundo, aprendeu que não podia jogar sozinho. 
E se há coisa que se nota é que Gaitán esperou ansiosamente por este momento. Em quatro épocas no Benfica, só agora é campeão. Aos 26 anos, e provavelmente a lutar pelo contrato que o pode levar para outras ambições, Nico Gaitán decidiu dar o seu melhor. 
Só falhou, até agora, três jornadas. Começou a marcar tarde, mas a bom tempo de ajudar o Benfica a ganhar ao rival Sporting, a conquistar três pontos no Restelo e a consolidar a goleada ao Rio Ave. É o jogador do plantel com mais assistências, ao lado de Rodrigo (tem seis). 
E, sem deixar de fazer umas fintas e provocar uns «uuuuiiii...», começou a suar a camisola.
Rodrigo- afinal, havia outro
A afirmação de um talento e de uma dupla que mudou a face da equipa
O Benfica de Jorge Jesus sempre gostou de atacar, de preferência com muitos jogadores e em avalanche. A «nota artística» dependia sobretudo do número de golos, independentemente dos desequilíbrios defensivos. Qualquer que fosse a dupla de avançados, o objetivo era o mesmo. 
Rodrigo foi sendo, ao longo das duas épocas passadas, um dano colateral desta estratégia. A meio caminho entre a baliza e um 10 que não existia, o jovem de 23 anos não conseguia destacar-se. Era, aliás, a terceira opção para a frente, a seguir a Cardozo e Lima. A lesão do paraguaio, em novembro, redefiniu as hierarquias, dando espaço a uma dupla (Rodrigo-Lima) com características que mudaram grande parte da identidade habitual do Benfica. 
Com as mudanças táticas desta época, para uma equipa mais equilibrada, mais junta, mais solidária e menos ansiosa por goleadas, surgiu Rodrigo. Não o Rodrigo de apoio a outro avançado, não o Rodrigo pós-lesão em S. Petersburgo, sem confiança, tremido, mas o Rodrigo mais rápido, mais eficaz, mais matador.  
Além de seis assistências em benefício dos companheiros, o hispano-brasileiro chegou aos 17 golos numa época, um recorde pessoal desde que chegou ao Benfica. Mais minutos em campo ajudaram, claro, mas não é por acaso que a melhor fase da época da equipa coincidiu com a subida de forma de Rodrigo. Mais dinâmicos, mais pressionantes, os dois avançados mais utilizados na Liga equilibraram-se no rendimento e revezaram-se nos momentos de protagonismo. 
Coube a Lima, melhor marcador encarnado na Liga (14 golos e cinco assistências, números que ilustram uma época de muito bom nível), a glória de bisar no jogo do título. Mas Rodrigo assinou vários momentos decisivos, e talvez o mais importante deles na receção ao FC Porto, na Luz, quando marcou o primeiro golo e mostrou definitivamente que podiam contar com ele.
Com Rodrigo, o Benfica é mais rápido sem necessitar de ser mais descuidado, é mais atento sem deixar de surpreender e é o melhor ataque sem deixar de ser a melhor defesa. Não é tudo mérito do avançado, claro, mas agora já ninguém o tira do topo. Afinal, há vida além de Cardozo e Lima.

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