sexta-feira, 21 de março de 2014

«Uma equipa como esta não nos pode pôr a sofrer assim»

«Uma equipa como esta não nos pode pôr a sofrer assim»

É fácil juntar portugueses à volta da mesma mesa, em Lisboa ou em Londres. O futebol surge como elemento agregador destas almas que não têm o sol, as praias ou o cheiro do nosso país. Continuam por aqui enquanto não existe outra esperança. O Benfica ganhou ao Tottenham e amanhã será um bom dia

A vaga de emigração dos últimos dois anos levou milhares de portugueses para Inglaterra e grande parte deles para a grande Londres, onde vivem quase tantas pessoas como em Portugal. Por estes dias, viver na capital britânica não é tão difícil como noutros anos, com a distância a encurtar fruto da redução de preços nas tarifas aéreas (graças às low-cost) e pela profusão de estabelecimentos com a identidade nacional.

No sul de Londres, mais concretamente m Stockwell, existe uma grande comunidade portuguesa, por isso não é difícil encontrar um sítio com a televisão ligada na Sport TV ou na TVI. «O Cantinho de Portugal» é um desses lugares, que nesta quinta-feira serviu de espécie de estádio para os muitos que quiseram sentir as emoções do Benfica-Tottenham à distância, depois de terem dado um salto até White Hart Lane na semana passada para ver os encarnados triunfar ao vivo.

Se estivermos de costas para a rua nem nos percebemos que estamos fora do país. O mobiliário é familiar, os azulejos, a amarguinha e o licor Beirão na estante, as arcas cheias de garrafas de vinho, a escolha entre a Sagres e a Super Bock, os amendoins, os tremoços, o café «a sério» e um bem sonante «boa tarde o que deseja».


As duas salas estão praticamente cheias. Muitos benfiquistas com vontade de festejar, com uma intenção redobrada de o fazer para que no último dia de trabalho da semana possam aparecer perante os colegas com um sorriso de orelha a orelha e o orgulho redobrado de serem portugueses. Por estes dias isso conta muito.

São portugueses de todas as idades aqueles que aparecem neste Cantinho. Uns trazem os amigos ingleses, desdobram-se em informações sobre o Benfica e outros portugueses ilustres no futebol. Falam com vontade e dizem que a seguir joga o Porto. Um dos empregados acrescenta: «Depois mudamos de canal para vermos o outro jogo. Português é português».

Estas palavras soam melhor aqui, é incrível
Não fazia mal a nenhum dos portugueses que ainda vivem em Portugal passarem por uma experiência, mesmo que curta, de emigração, uma espécie de formação avançada em portugalidade para perceberem a essência da nação. A forma como estas pessoas se juntam para assistir a um jogo de futebol, só porque estão juntas e juntas querem ser felizes, explica muita da mágoa sentida por centenas de milhar de pessoas que tiveram de deixar o país nos últimos dois anos. Nunca deixam de sentir o país e por isso qualquer coisa que os una é importante. Mesmo que a conjuntura os force a quebrar laços.

Mas o Benfica. Regressemos ao essencial. O entusiasmo é latente. A Sport TV chega em alta definição e as colunas espalhadas pelas salas fazem chegar o relato aos ouvidos de todos. Camisolas vestidas, cachecóis de Portugal pregados na estrutura por cima do balcão. Alguns chegam atrasados do trabalho, mas sorriem.

O jogo começa e há quem diga que o Tottenham não assusta, que tem muitas ausências e o Soldado «é mais um tosco, dos caros». O golo de Garay é celebrado com gritos frenéticos e pedidos de mais imperiais. Há motivos para festejar e está tudo tranquilo. «Amanhã vai ser bonito», graceja um dos presentes com as calças ainda sujas do dia de trabalho na construção civil.

O intervalo serve para pedir o jantar. Uns comem bitoques, outros pica-pau, há quem opte pelo peixe grelhado, uma especialidade da casa. «Está tudo muito bom». Sim, de facto, no Cantinho não há razões de queixa e a simpatia é uma presença constante.

A segunda parte é passada a conversar, a «trocar cromos» e a fazer contas sobre os próximos adversários, até que ao minuto 77 os ingleses empatam e pouco depois aparece o 1-2. «Ui». De repente o silêncio. Os olhares cruzam-se incrédulos. Tensão no ar e palavras lançadas contra a televisão, queixas pela falta de atenção dos jogadores e uma espécie de temor «pelo que aconteceu no ano passado».

Os derradeiros minutos do jogo são vividos em permanente exaltação. O Tottenham pressiona, ataca muito, cria perigo e Oblak é transformado em ídolo. As duas defesas no período de descontos são festejadas como se fossem golos. Aplausos, contagem decrescente e finalmente o suspiro com o empate a surgir nos instantes finais, naquele pénalti de Lima. «Este golo já não conta, o que interessa é que eles não nos enganaram», comenta-se na mesa ao lado, mas com algum lamento: «Uma equipa como esta não nos pode pôr a sofrer assim».

Logo após o apito final o restaurante fica praticamente vazio. As pessoas saem aliviadas, felizes.
É fácil juntar portugueses à volta da mesma mesa, em Lisboa ou em Londres. O futebol surge como elemento agregador destas almas que não têm o sol, as praias ou o cheiro do nosso país. Continuam por aqui enquanto não existe outra esperança, mas não se cansam de procurar ligações à terra, como se não tivessem desistido de lutar. O Benfica ganhou ao Tottenham e amanhã será um bom dia.

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