«Uma equipa como esta não nos pode pôr a sofrer assim»
«Uma equipa como esta não nos pode pôr a sofrer assim»
É fácil juntar portugueses à volta
da mesma mesa, em Lisboa ou em Londres. O futebol surge como elemento
agregador destas almas que não têm o sol, as praias ou o cheiro do nosso
país. Continuam por aqui enquanto não existe outra esperança. O Benfica
ganhou ao Tottenham e amanhã será um bom dia
A vaga de emigração dos últimos dois anos levou milhares de portugueses
para Inglaterra e grande parte deles para a grande Londres, onde vivem
quase tantas pessoas como em Portugal. Por estes dias, viver na capital
britânica não é tão difícil como noutros anos, com a distância a
encurtar fruto da redução de preços nas tarifas aéreas (graças às
low-cost) e pela profusão de estabelecimentos com a identidade nacional.
No sul de Londres, mais concretamente m Stockwell, existe uma grande
comunidade portuguesa, por isso não é difícil encontrar um sítio com a
televisão ligada na Sport TV ou na TVI. «O Cantinho de Portugal» é um
desses lugares, que nesta quinta-feira serviu de espécie de estádio para
os muitos que quiseram sentir as emoções do Benfica-Tottenham à
distância, depois de terem dado um salto até White Hart Lane na semana
passada para ver os encarnados triunfar ao vivo.
Se estivermos de costas para a rua nem nos percebemos que estamos
fora do país. O mobiliário é familiar, os azulejos, a amarguinha e o
licor Beirão na estante, as arcas cheias de garrafas de vinho, a escolha
entre a Sagres e a Super Bock, os amendoins, os tremoços, o café «a
sério» e um bem sonante «boa tarde o que deseja».
As duas salas estão praticamente cheias. Muitos benfiquistas com
vontade de festejar, com uma intenção redobrada de o fazer para que no
último dia de trabalho da semana possam aparecer perante os colegas com
um sorriso de orelha a orelha e o orgulho redobrado de serem
portugueses. Por estes dias isso conta muito.
São portugueses de todas as idades aqueles que aparecem neste
Cantinho. Uns trazem os amigos ingleses, desdobram-se em informações
sobre o Benfica e outros portugueses ilustres no futebol. Falam com
vontade e dizem que a seguir joga o Porto. Um dos empregados acrescenta:
«Depois mudamos de canal para vermos o outro jogo. Português é
português».
Estas palavras soam melhor aqui, é incrível
Não fazia mal a nenhum dos portugueses que ainda vivem em Portugal
passarem por uma experiência, mesmo que curta, de emigração, uma espécie
de formação avançada em portugalidade para perceberem a essência da
nação. A forma como estas pessoas se juntam para assistir a um jogo de
futebol, só porque estão juntas e juntas querem ser felizes, explica
muita da mágoa sentida por centenas de milhar de pessoas que tiveram de
deixar o país nos últimos dois anos. Nunca deixam de sentir o país e por
isso qualquer coisa que os una é importante. Mesmo que a conjuntura os
force a quebrar laços.
Mas o Benfica. Regressemos ao essencial. O entusiasmo é latente. A
Sport TV chega em alta definição e as colunas espalhadas pelas salas
fazem chegar o relato aos ouvidos de todos. Camisolas vestidas,
cachecóis de Portugal pregados na estrutura por cima do balcão. Alguns
chegam atrasados do trabalho, mas sorriem.
O jogo começa e há quem diga que o Tottenham não assusta, que tem
muitas ausências e o Soldado «é mais um tosco, dos caros». O golo de
Garay é celebrado com gritos frenéticos e pedidos de mais imperiais. Há
motivos para festejar e está tudo tranquilo. «Amanhã vai ser bonito»,
graceja um dos presentes com as calças ainda sujas do dia de trabalho na
construção civil.
O intervalo serve para pedir o jantar. Uns comem bitoques, outros
pica-pau, há quem opte pelo peixe grelhado, uma especialidade da casa.
«Está tudo muito bom». Sim, de facto, no Cantinho não há razões de
queixa e a simpatia é uma presença constante.
A segunda parte é passada a conversar, a «trocar cromos» e a fazer
contas sobre os próximos adversários, até que ao minuto 77 os ingleses
empatam e pouco depois aparece o 1-2. «Ui». De repente o silêncio. Os
olhares cruzam-se incrédulos. Tensão no ar e palavras lançadas contra a
televisão, queixas pela falta de atenção dos jogadores e uma espécie de
temor «pelo que aconteceu no ano passado».
Os derradeiros minutos do jogo são vividos em permanente exaltação. O
Tottenham pressiona, ataca muito, cria perigo e Oblak é transformado em
ídolo. As duas defesas no período de descontos são festejadas como se
fossem golos. Aplausos, contagem decrescente e finalmente o suspiro com o
empate a surgir nos instantes finais, naquele pénalti de Lima. «Este
golo já não conta, o que interessa é que eles não nos enganaram»,
comenta-se na mesa ao lado, mas com algum lamento: «Uma equipa como esta
não nos pode pôr a sofrer assim».
Logo após o apito final o restaurante fica praticamente vazio. As pessoas saem aliviadas, felizes.
É fácil juntar portugueses à volta da mesma mesa, em Lisboa ou em
Londres. O futebol surge como elemento agregador destas almas que não
têm o sol, as praias ou o cheiro do nosso país. Continuam por aqui
enquanto não existe outra esperança, mas não se cansam de procurar
ligações à terra, como se não tivessem desistido de lutar. O Benfica
ganhou ao Tottenham e amanhã será um bom dia.
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