domingo, 1 de dezembro de 2013

Visão Encarnada: A difícil infância da Fénix

Visão Encarnada: A difícil infância da Fénix (parte 1)

ANÁLISE TÁTICA POR EDUARDO PEREIRA

O Benfica de 2013/14 tinha pela frente uma tarefa agridoce que principiava por fazer pequenos ajustes a uma equipa que esteve a um passo de conquistar tudo e que, daí para cá, cometera a proeza de não perder nenhuma das jóias da coroa. O problema começava, precisamente, na hora de identificar o que falhou. Tendo estado tão perto do sonho, quase se podia dizer que o Benfica já tinha um plantel de luxo, a necessitar apenas de uma ou outra emenda.
Só que, no conto de fadas da Luz, os “lobos maus” não só comeram a avozinha, como também se empanturraram com a Capuchinho Vermelho e devoraram o caçador. Os três troféus que o clube disputava voaram para longe e ficou bem evidente a falta de ritmo da equipa no final de temporada, bem como diversos problemas do foro disciplinar e directivo. Aparentando ter lambido as feridas de forma demasiado apressada, o Benfica entrou na Liga com uma derrota nos Barreiros e logo soaram novamente todos os alarmes.
A resposta ao desastroso final da época passada não podia ser pior e, no encontro seguinte, uma derrota em casa com o Gil Vicente esteve a dois minutos de se concretizar. Percebia-se que o esquema táctico que tantas vezes dera bons resultados na época passada, começava a ser demasiado previsível para a Liga.
Um novo esquema para maior solidez
A linha defensiva, com dois alas atacantes, abria frequentemente brechas quando o adversário partia para o contra-golpe. No meio campo defensivo, Matic não estava a ter o rendimento do ano transacto e, à sua frente, Enzo Pérez começou a época algo deslocado, a surgir frequentemente na direita e permitindo que Gaitán fizesse as suas vezes no centro. A juntar a isso, Markovic e Djuricic também vieram baralhar as contas ao 4-1-3-2 habitual, desestabilizando a organização dos movimentos ofensivos.
Até que, na recente deslocação ao reduto do Olympiacos, Jesus percebeu aquilo que muitos já vinham repetindo: com três elementos no miolo, a equipa ganha uma estabilidade que não obriga a correrias desenfreadas, poupando fisicamente jogadores de posições-chave como Matic e Enzo. Apesar da infeliz derrota na Grécia, o jogo com o Sporting já revelou um Benfica mais combativo, embora ainda sujeito a inexplicáveis perdas de potência.
A lesão de Rúben Amorim acabou por ser mais uma condicionante numa época que não está a deixar boa imagem do departamento de preparação física. Sem o internacional português,
Onze-base semelhante ao da época passada
Jesus está, por isso, ainda em busca da melhor formação e do esquema táctico mais adequado, pelo que se torna complicado dizer, com precisão, qual é o verdadeiro onze-base do Benfica. Ainda assim, a equipa-tipo passa por Artur na baliza, Garay e Luisão no eixo da defesa (são estes, aliás, os três únicos totalistas), Maxi na lateral direita e Siqueira na esquerda. Matic, Amorim e Enzo Pérez formam o trio do miolo do terreno, com o argentino em missões mais ofensivas. Gaitán na esquerda e Salvio – assim que esteja recuperado – têm a seu cargo as alas do ataque para municiar, no centro, o inevitável Óscar Cardozo.
A força reside no ataque
O ponta-de-lança paraguaio é, justamente, um dos pontos mais fortes desta equipa. Naquele seu estilo adormecido de quem está a ver o jogo passar-lhe ao lado, Cardozo rapidamente inventa um potente remate ou um traiçoeiro desvio, rendendo à equipa golos atrás de golos. Nunca se há-de saber, ao certo, de que lado estava Jesus na “novela” que o “opôs” ao Tacuara mas, sem sombra de dúvidas, não seria este o mesmo Benfica sem a presença do número 7 na frente de ataque.
A qualidade técnica dos homens da frente é também um ponto de referência do colectivo encarnado, no qual, curiosamente, Cardozo não prima pela excelência. Salvio, Gaitán e Enzo Pérez são, eles sim, exemplos acabados da famosa “tracção à frente” que acompanha a equipa desde 2009/10. Outro dos esteios, ainda que numa posição bem diferente, é Ezequiel Garay, um central de excelência que, por diversas vezes tem sido apontado a outros grandes emblemas europeus e que parece ter roubado a Luisão, sem apelo nem agravo, o título de patrão da defesa encarnada.
Sobre a terra… mas não pelo ar
Paradoxalmente, esta mesma defesa é um dos pontos fracos da equipa. Parece não haver um lance de jogo aéreo em bolas paradas que não acabe em golo para os adversários, ao passo que, inversamente, no sector atacante, parece não haver forma de um canto ou livre cobrado por alto resultar em golo para o Benfica. O desvio vitorioso de Matic, esta semana, diante do Anderlecht, acaba por ser a famosa excepção que confirma a regra.
Lima, Ola John, Rodrigo e Cortez são, por estes dias, dos nomes mais controversos do plantel – e, também aqui, o tento do espanhol em Bruxelas se reveste de una aura de invulgaridade. As razões para este quarteto estar em maus lençóis são diversas: Lima, pela já referida crise de golos, após uma época em que facturou por mais de 30 vezes; Rodrigo, pela forma como parece desperdiçar toda e qualquer bola que lhe passe pelos pés (um golo em nove jogos); Ola John, pela forma lenta e sem emoção com que aborda cada lance, parecendo acusar uma fadiga constante; e Cortez, pelo menor recorte técnico e alguns lances em que concede demasiados espaços a quem entra pelo seu corredor.

Visão Encarnada: A difícil infância da Fénix (parte 2)

Markovic é reforço, Cortez nem tanto
No que a reforços diz respeito, e limitando a análise aos elementos que permaneceram efectivamente no plantel, o nome mais sonante é o de Markovic. Com pormenores de classe a fazer lembrar um João Vieira Pinto dos tempos áureos, o sérvio parece ter lugar garantido no onze titular. Siqueira e Fejsa também têm mostrado, até ao momento, que são contratações acertadas, assim como o recém-promovido Ivan Cavaleiro, goleador da equipa B e da Selecção sub-21 que tem merecido a confiança de Jesus.
Não se pode, porém, fazer vista grossa às exibições menos conseguidas que o sérvio tem proporcionado aos adeptos nos jogos mais recentes. Markovic é dono de uma criatividade apurada, aliada a excelente execução técnica, mas a insistência de Jesus para que o número 10 jogue encostado à linha em diversos momentos do jogo parece estar a condicionar em demasia a sua performance. No movimento de procurar o espaço interior, o sucesso de Markovic tem conhecido níveis bastante reduzidos e a plateia da Luz começa a dar mostras de impaciência – injustas, talvez, para aquele que pode vir a ser um nome de referência nos anos que se avizinham.
Djuricic e Sulejmani, por seu lado, permanecem uma incógnita, em particular devido ao pouco tempo de jogo de que têm usufruído, mas não trouxeram, até agora, qualquer mais-valia palpável ao plantel encarnado. Sulejmani ofereceu a Rodrigo o golo da vitória contra o Anderlecht, mas carece de mais oportunidades para demonstrar que pode fazê-lo de forma regular. Cortez, por outro lado, tem-se revelado a menos acertada das contratações, não parecendo muito superior a Melgarejo e ficando até alguns furos abaixo de André Almeida.
Vencer, sim – mas talvez só em Portugal
No cômputo geral, o Benfica continua a ser uma das equipas mais fortes da Liga portuguesa. Em caso de dúvida, note-se que o Sporting, a realizar excelente arranque de época, não consegue, neste momento, ter mais pontos que um rival com vários problemas de performance. O FC Porto também não anda longe e a instabilidade que se vive no Dragão, a par com o mero ponto de vantagem que possui para os rivais de Lisboa (à hora a que este artigo foi escrito), não coloca os azuis-e-brancos no costumeiro lugar de conforto do passado recente.
Na Liga dos Campeões, o cenário que envolve o Benfica começou por ser promissor, esteve, depois, escuro como breu (a dez minutos do fim do jogo de Bruxelas, com o Benfica matematicamente remetido à Liga Europa) e, neste momento, sendo bastante complicado, não apaga a última réstia de esperança. É certo que há que ser melhor que o PSG na Luz e esperar que o Olympiacos não vença mas, não havendo alemães envolvidos, faz sentido acreditar que a bola é redonda e há 11 para cada lado*.
A face da equipa tem variado muito, de jogo para jogo, e é a força da concorrência que tem ditado os objectivos a que este Benfica se pode propor. Em Portugal, na Liga e nas Taças, o sonho de levar os troféus para casa é legítimo, já que a equipa demonstra ter qualidade para levar de vencida qualquer adversário, incluindo os mais cotados. A nível internacional, porém, uma eventual transferência para a Liga Europa colocaria o clube num nível competitivo que abre melhores perspectivas de sucesso, ainda que estejamos a falar de uma teórica “segunda divisão” da Europa do futebol.

Em duas pinceladas, fica assim traçado um perfil do Benfica, um clube histórico com uma excelente equipa mas sem a regularidade e a capacidade física que permitem olhar Barças e Bayerns nos olhos, lutando pelo ceptro da elite moderna. Depois da hecatombe da época passada, a nação benfiquista anseia por saber se há novo conto de fadas este ano, de preferência sem lobos para deitar a casa abaixo com um só sopro.

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