quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Por que razão o Benfica é maior do que o FC Porto?

Por que razão o Benfica é maior do que o FC Porto?


O período de hegemonia do FC Porto já é superior ao período de hegemonia do Benfica. O Glorioso dominou os anos 60 e 70. Os anos 80 já foram de total equilíbrio, um prenúncio do apocalipse azul e branco que se seguiu: as hordas norte-coreanas dominaram os anos 90, os anos 2000 e continuam a dominar nesta década de 2010. A pergunta, portanto, é óbvia: tendo em conta o sucesso esmagador das últimas décadas, por que razão continua o FC Porto a ser um clube com poucos adeptos? Por que razão não secou o FC Porto a presença do Benfica a norte do Mondego? Por que razão continua a ser mais fácil encontrar um homem honesto no parlamento do que um portista no sul? E, suprema heresia, por que razão continua o Benfica a ter imenso apoio a norte do Douro?
Existem várias razões à superfície (ex.: Pinto da Costa não comemora as vitórias do FC Porto, comemora as derrotas do Benfica), mas concentremos o olhar na razão histórica. A superioridade demográfica do Benfica tem a raiz na ocorrência simultânea de três fenómenos nos anos 60: migrações internas, o surgimento da televisão e o sucesso internacional do Benfica. Nos anos 60, o boom económico que o país atravessava gerou a maior migração interna da nossa história recente. A geração dos meus pais não emigrou apenas para França, também emigrou para as nossas cidades do litoral, sobretudo Lisboa. Esta movimentação criou uma massa enorme de gente desenraizada à volta das grandes cidades; longe das família e das comunidades de origem, estas pessoas desviaram a sua identidade para o Benfica devido à acção da novidade tecnológica da época, a televisão. Porquê o Benfica? Porque era aquilo que estava a ter sucesso, porque era o fenómeno que estava a marcar a sociedade portuguesa através da TV. À semelhança de milhares e milhares de outras pessoas, o meu velho fazia quilómetros a pé para ver os jogos do Benfica .
Naquela época, todos os países ocidentais estavam a ser unificados através da TV. Kennedy é Kennedy porque foi o primeiro presidente a ser acompanhado diariamente pelos americanos através do ecrã. A série Mad Men retrata isso de forma precisa. Quando Kennedy morreu, os americanos sentiram a sua morte de forma íntima, como se alguém da família tivesse morrido. E não andavam longe da verdade: Kennedy foi a primeira figura pública a partilhar os jantares de família de milhões de americanos. Ora, o Benfica de Eusébio foi um dos nossos Kennedy, um dos factores de unidade popular provocada pela TV. Longe da aldeia, o meu pai transformou o Benfica numa aldeia mediática que lhe garantia um módico de identidade numa região que desconhecia, Grande Lisboa . Se aquele sucesso lendário dos anos 60 tivesse pertencido ao FC Porto ou Sporting, os seis milhões e alguns trocos não seriam nossos.

Henrique Raposo Jornal Expresso




O dia em que traí o Benfica

Uma das coisas que me entristece no Benfica é a ausência de jogadores portugueses, o desprezo pelos meninos do canteiro (convenhamos que canteiro é mais interessante do que a habitual espanholada, cantera). E a falta de raízes nacionais também afecta as outras modalidades. Eu percebo a presença de dois ou três estrangeiros na equipa de basquete, mas já não aceito a hegemonia estrangeira. Se somos o "maior clube de Portugal", não temos responsabilidades especiais na valorização do jogador português? Mas esqueçam lá este lero-lero da responsabilidade cívica, porque a questão é bem mais simples. O ponto é básico, primário, tribal, é a nossa identidade. Sem jogadores portugueses não há equipas do Benfica. Podem vestir a camisola encarnada, até podem palrar as papoilas saltitantes, mas não são o Benfica. 
É por isso que, às vezes, torço pelos equipas cheias de portugueses que jogam contra o Glorioso. Calma, não me deserdem já. É só às vezes, quando ninguém está a ver e o jogo tem de ser numa modalidade que não implique pés e balizas. Foi o que aconteceu na final do campeonato de basquete da época passada entre Benfica e Académica. Estava por acaso em Coimbra, e vi o último jogo no pavilhão novo ao lado do estádio. Já sou mais ou menos de Coimbra por razões familiares, mas não foi essa a razão da traição. Torci em silêncio pela Académica, porque o Benfica parecia uma equipa americana. A ligação daqueles jogadores ao Benfica estava apenas no seu profissionalismo, e isso não chegava, não chega. Cometi adultério com a Académica, porque aquela era a equipa mais portuguesa, porque tinha um base português que fazia lançamentos à Carlos Lisboa, triplos impossíveis do canto. O Benfica lá ganhou, sim senhora, mas ganhou com aquela competência fria de quem sabe que é muito superior, faltou a pitada de energia, de emoção, a tal mística. 
Não me confundam, por favor, com um D. Quixote nacionalista. Não estou a defender equipas exclusivamente nacionais. Isso não é possível, nem desejável. Mas é preciso encontrar um equilíbrio entre estrangeiros e portugueses. O Benfica, para ser Benfica, não pode ser um stand de jogadores argentinos ou sérvios a caminho do Real Madrid ou um stand de jogadores americanos que não conseguiram entrar nas NBAs desta vida. O Benfica, para ser Benfica, precisa de portugueses. Sim, bem sei que a actual direcção não quer saber deste discurso identitário. Sim, eu sei que esta direcção acha que a mística cai dos céus e de discursos ocos sobre o "maior clube português". É por isso que vou continuar a pular a cerca de vez em quando. 
Henrique Raposo Jornal Expresso


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